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texto de Marcelo Costa (@screamyell)

1982 foi um ano inesquecível. Um dos melhores times que vestiu a camisa da seleção brasileira de futebol amargou uma derrota histórica para a Itália na segunda fase da Copa da Espanha. Apesar de perder para Brasil e Itália naquela copa, a figurinha mais disputada do álbum do chiclete Ploc era a de Diego Armando Maradona. E se a ditadura (apesar de enfraquecida) ainda dominava o Brasil na política, o Corinthians vivia um período de autogestão chamado Democracia Corintiana, onde jogadores, comissão técnica e diretoria decidiam tudo relativo ao time no voto – e com peso igual. Resultado: bicampeonado paulista (sobre o São Paulo) 1982/1983.

O Circo Voador havia iniciado suas atividades no Rio de Janeiro, mas tanto Rio de Janeiro quanto São Paulo pareciam longe demais de Taubaté, uma cidade que fica a apenas 130 km da capital paulista e a 280 km do Rio, mas que naquela época pareciam ser milhões de anos luz. Com então uns 200 mil habitantes, mas que pareciam ser 200, Taubaté era a típica cidade do interior, local que abrigava o Sítio do Pica-Pau Amarelo e cujas ruas da redondeza atendem pelo nome de personagens de Monteiro Lobato (passei uma parte da adolescência na Rua Pedrinho).

Não há tédio nem tristeza aqui. Há invasão do sítio da dona Laura para guerras de manga, futebol no meio da rua e alguns bailinhos que começavam a agitar as garagens dos pais – e que acabariam resultando no primeiro amor e no primeiro beijo. 12 anos. O que um garoto pobre pode fazer além de cantar em uma banda de rock?, pergunta uma velha canção dos Stones, mas Stones ainda não existiam no universo moleque no começo dos anos 80 de um bairro classe média de Taubaté. Beatles sim (através de uma coletânea chamada “Beatles Ballads” herdada do pai, o vinil número 1 que tenho recordação), mas o meu primeiro disco, aquele que eu mesmo decidi que queria de presente, foi de uma banda que, em 1982, parecia reviver a beatlemania no Brasil.

“Você Não Soube Me Amar” caiu como uma bomba nas rádios no verão de 1982. Tocou, tocou, tocou, tocou muito. E continuou tocando. O disco, que veio logo depois do sucesso do compacto, ainda trouxe mais um hit, “Mais Uma de Amor (Geme Geme)”, e todos os ouvidos (mesmo os de um garoto de 12 anos perdido em uma cidade que não era a dele, mas que o havia acolhido) aguardavam ansiosamente o próximo passo daquele grupo quase circense, que alguns jornais da época definiam como new wave (uma edição especial da revista Bizz, alguns anos depois, traduziria melhor a definição – com miss Deborah Harry instigando a libido na capa), mas que outros insistiam em apresentar como rock brasileiro.

Numa casa de fundos com três cômodos, o garoto dormia no sofá da sala e tinha, ao lado do toca-discos, só aquela coletânea dos Beatles. Assim que Radiotividade chegou às lojas, no verão de 1983, ele pediu para a mãe comprá-lo, e aquele foi, virtualmente, o primeiro disco totalmente seu na vida. A capa era um luxo! Dupla, com dezenas de montagens com fotos dos músicos (com grande destaque para as duas gatas da banda, Fernanda Abreu, mais punkzinha – de cabelos curtos e voz estridente – e Márcia Bulcão, mais normalzinha – de cabelos compridos, olhar angelical e voz suave) e um encarte com todas as letras, que seriam decoradas nos próximos meses.

Era uma época em que não existia internet, o walkman ainda não havia chegado ao Brasil e o Toddynho tinha apenas um ano de vida. Xuxa só a partir de julho (e na TV Manchete). CUT só a partir de agosto. Telefone celular? Nem pensar. Radiotividade, inclusive, abre com uma faixa que precisa de rodapé hoje em dia. “A Última Ficha” conta a história de um cara que saca sua agenda de telefones para convidar uma garota para sair. Porém, ele só tem uma ficha telefônica (tipo tivesse apenas três minutos de crédito no celular), e não pode errar. “Só tenho uma ficha / Por onde começar / O alfabeto diz: Comece pela letra A e será feliz. Amélia já ta velha (era tão linda), Alice agora é miss (adora mousse), Aurora tá por fora (te deu um fora). Então pra não perder a fama, eu vou ligar pra Ana”. No fim das contas ele liga para Inez, a confunde com Berenice, mas acaba conquistando a moça.

“Ridícula”, a faixa seguinte, abre com uma frase genial: “Que loucura: você me corta tanto que parece a censura”. Lembre-se: 1983. Sob uma base funk, Evandro Mesquita conta a história de um cara que leva um pé na bunda, e não aceita bem o acontecido. “Charme de Artista” é tão bobinha quanto um rock dos anos 50 – e funciona tão bem quanto. Pule o reggae sem vergonha “Só o Amor” e caia aos prantos sob o riff mágico da introdução de “A Dois Passos do Paraíso” (ambientado sobre os acordes de um violão de nylon altamente cristalino), um dos hinos da música brasileira que não necessita explicação. O lado A do vinil termina com “Apocalipse Não”, que já naquela época era uma tremenda bobagem (e continua sendo, quase 30 anos depois).

O mega-hit “Weekend”, que abre o lado B, é daqueles sucessos que mais se devem ao clipe (exibido com pompa no Fantástico) e ao refrão pegajoso do que a qualidade da canção (um juntadão de frases que muitas vezes não cabem na métrica do arranjo). “Meu Amor Que Mau Humor” colocava peso no disco (com solos metalizados ambientados na mixagem) enquanto Evandro tirava sarro de si mesmo na ótima “O Tempo Não Vai Passar” (“Cuidado com a dicção de estlelas. A palavra estlelas sujou”, brinca o produtor no inicio da faixa) e Fernanda cravava um brilhante número solo, “Betty Frígida”. A cover para “Biquíni de Bolinha Amarelinha Tão Pequenininho” foi a escolha perfeita para fechar o álbum.

O enorme sucesso do disco (que fez com que a banda ficasse na mídia por quase dois anos ininterruptos rendendo álbum de figurinhas, especial da Globo e mega-show no Rock in Rio I – já ancorado no terceiro álbum, Blitz 3, dos hits “Egotrip” e “Dali de Salvador”) abriu os olhos da gravadora para o “mercado adolescente”, e novas bandas surgiram deflagrando o rock nacional para todos os cantos do país (Taubaté incluso – até show a Blitz fez na cidade), mas a função do grupo na minha vida já tinha se consumado. Gosto de imaginar que se não fossem eles, quem sabe, eu poderia ter me afundado na música de raiz (tão comum no interior), enveredado pela MPB (que vivia, então, sua pior fase) ou entrado para o grupo dos metaleiros (e estaria, hoje em dia, aguardando ansioso pelo 43º show do Iron no País).

Mas não. Após a Blitz, tudo começou a surgir misturado como um frescor de novidade. O rock nacional e a descoberta de Clash, Sex Pistols, Joy Division e Echo and The Bunnymen. Depois, de um lado, Led Zeppelin, Mercyful Fate e Metallica. Do outro, Inocentes, Picassos Falsos e Garotos Podres. E ainda Velvet Underground, Doors e Smiths. O universo começou a se expandir natural e rapidamente (o que não quer dizer que Queen, Caetano e progressivos fossem bem-vindos naquele momento) e precisou dar algumas centenas de voltas em torno do sol para que o coração explicasse à razão que existem apenas dois tipos de música: a boa e a ruim. E tudo isso começou com Radioatividade, da Blitz.

Não sei dizer se Radioatividade é o disco que mudou a minha vida. London Calling, do Clash, talvez fosse uma escolha mais óbvia para agradar aqueles que esperavam um pouco de bom gosto musical e menos de sinceridade. Na verdade, se há um culpado por fundir a cabeça daquele garoto pobre de 12 anos, esse alguém foi Hermann Hesse (e, na sequência, Aldous Huxley). Porém, por mais que a tentativa de Evandro Mesquita de tentar reviver a Blitz a cada dois anos soe patética, quando olho para trás, para o começo dos tempos (os meus), entre as coisas que mais me lembro estão os gols de Paolo Rossi no Brasil, de Biro-Biro na final contra o São Paulo, da última figurinha do álbum da Copa de 82 (ele, Maradona: tive que atravessar a cidade para pega-la), do olhar da Janaina antes do primeiro beijo, e de Radiotividade, da Blitz, o primeiro disco que eu realmente quis pra mim. A vida começou ali.

…e não sei porque eu fui dizer bye bye.

Marcelo Costa é editor do Scream & Yell, o melhor veículo de cultura do país, o maior coração do indie nacional, ex-chefe e meu padrinho no jornalismo

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