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Archive for the ‘Death To The Pixies – Pixies’ Category

texto de Leonardo Dias Pereira (@leodiaspereira)

Poderia “estar falando” do álbum branco dos Beatles, Harvest do Neil Young, G.P. do Gram Parsons, mas to aqui, na maior humildade falando sobre uma…coletânea. Elas servem bem mais do que simples caça-níqueis para artistas sem inspiração.

Corta para novembro de 1997, Jales, interior de São Paulo. Naquela época me considerava um atípico garoto interiorano aficionado por música e cultura pop em geral e me encontrava na fase mais crucial do fim da adolescência, cujas decisões implicam diretamente em seu futuro, cada vez mais confuso e incerto com a aproximação do fim do ano. Vestibular era a pauta do dia. No meio da leitura diária e obrigatória do jornal (o mantra do colégio determinava a leitura de um jornal por dia, uma revista por semana e um livro não didático por mês) deparei-me no caderno cultural com o lançamento da coletânea comemorativa de 10 anos de uma banda que era festejada como marco do rock alternativo americano (naquela época “independente” era apenas a torcida organizada do São Paulo) e principal influência de Kurt Cobain, o Pixies.

É preciso dizer que meu gosto gosto musical foi formado durante a onda grunge e tinha todos os discos de Pearl Jam, Alice in Chains, Nirvana, Soundgarden, alguns do Mudhoney e projetos paralelos desse povo mal ajambrado de Seattle. Mas nunca tinha ouvido falar de Pixies, ainda mais com a pouca informação que chegava até os rincões escaldantes de Jalão Tropical e a internet ainda engatinhava. Que tipo de elo perdido era esse, se é que era algum elo realmente?

Surgiu então a oportunidade de prestar vestibular em São Paulo. Galeria do Rock. Listinhas de discos desejados pronta e lá vou eu me despencar com outro colega de vestibular no bairro da Liberdade no apartamento de outro amigo, também fissurado por música, que já morava na Capital. A prova seria no domingo e o sábado ficou reservado para um rolê aprofundado na Galeria do Rock.

Não foi difícil encontrar a tal coletânea que carregava um nome cheio de sarcasmo e ironia: Death to the Pixies. Morte aos Pixies! Que diabo de banda era essa que, já dispersada há quase uma década, lançava uma coletânea “comemorativa” pregando a própria morte?

Chegando no apartamento do amigo corri para o discman, mandei a bolachinha prateada pra dentro e apertei o play. “Cecilia Ann”, razoável, nada de mais. “Planet of Sound”, opa essa melhorou. “Tame”, caralho, o cara grita igual ao Kurt Cobain! “Here Comes Your Man”, nossa, essa música era deles! “Debaser”, porra, que guitarra. “Wave of Mutilation”, meu deus! Minha cabeça fervilhava na tentativa de estabelecer conexões, todas primárias, sem fundamento algum, baseadas apenas na minha cultura musical daquele momento.

Mas foi com “Monkey Gone to Heaven” que veio o baque final. Aquela equação meio profana – se é que é uma equação – que Black Francis tentava riscar numa lousa imaginária me pegou de jeito. O homem era um gênio. O sentimento de “como eu nunca ouvi essa banda antes” foi amortizado por uma audição quase débil da coletânea, uma atrás da outra, me acompanhando na insônia pré-vestibular.

Passei na faculdade paulistana, tive o cabelo raspado e fui devidamente zoado pelos amigos, mas não me inscrevi nela. Preferi cursar uma faculdade no interior de São Paulo mesmo. A vida continuou sem muitas mudanças no cotidiano, afinal faculdade é uma espécie de colegial onde você pode beber sem reprimendas e o sexo é algo mais palpável. Mas Death to the Pixies mudou o meu pensamento sobre a própria história do rock americano, algo como encaixar uma peça difícil num quebra-cabeças imaginário do rock.

Antes de terminar, me deixa contar mais uma historinha envolvendo este disco. Precisava viajar uns 50 quilômetros até minha faculdade, que ficava em outra cidade. Na turma tinha uma garota bonitinha até, que ficava cheia de historinha para cima de mim. Certo dia, retorno pra van depois da aula e ela está sentada ao lado do meu banco com uma cara meio marota e solta: “tenho uma surpresa pra você”. Ela simplesmente tinha escrito o nome dela no ENCARTE do Death to the Pixies! Omiti propositalmente para vocês que minha versão era a limitada, dupla, pois trazia um disco ao vivo maravilhoso. Dei um baita chilique e iniciei todo um discurso sobre não rabiscar os discos alheios. Não importa o rabisco.  Todas as chances dela morreram naquele momento. Uma pessoa que não respeita a integridade de meus discos não serve pra mim.

Leonardo Dias Pereira é editor do Urbanaque, colaborador da Rolling Stone, especialista em cervejas boas e sangue bom


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